Amanhã é véspera de Natal e a cidade está menos silenciosa do que deveria considerando a época, mas é natural que haja ruídos e estalos num Natal de primeiras vezes. Não sei se é possível alguma tradição além da própria data ter se mantido em pé — dos planos todos, não sobreviveu nenhum. E quem sobreviveu não sabe para onde vai.
Filha de pais separados, um Natal dividido não é exatamente novidade. Inclusive, acho que foi aí que o feriado todo começou a perder a graça: todo ano, escolher com quem passar, com minha mãe ou com meu pai, acabava com a magia da coisa, o espírito de união era substituído por um de culpa, e eu achei mais fácil passar a desprezar a ocasião do que ressignificá-la. Aí eu casei com a encarnação de uma das renas do Papai Noel e detestar o Natal deixou de ser uma opção.
O Leo ama o Natal como uma criança ama o Natal. Assim como eu, ele também não foi criado religiosamente, então o significado da data adquiriu muito cedo um caráter universal, ainda que vago, de esperança e boas vibrações. E o Leo, mesmo depois de crescer e ver que, na prática, era tudo um grande mito, preservou essa crença de que, no Natal, coisas boas acontecem e as pessoas são felizes. Todos os anos, ele decora a casa, escreve cartões e sorri o mês de dezembro inteiro. Seus pais, juntos há 40 anos, nos recebem no dia 25 para um almoço sempre cheio de inúmeras memórias e histórias num ritual de renovação de tudo o que há de bom. O Leo se diverte com a minha ironia e eu com a sua inocência, e os meus fantasmas de Natais passados têm cada vez menos coisas a dizer.
Neste ano, eu achei que, pela primeira vez, o Natal seria uma ocasião triste para o Leo, e por isso me preparei para consolar discursos frustrados e encontrar o maior número possível de filmes nostálgicos dos anos 80 e 90 para distraí-lo. Acontece que essa história de esperança natalina é mais forte e genuína do que eu pensava. Aparentemente, o raciocínio é o seguinte: num ano em que todos terão celebrações divididas, recortadas, incompletas e editadas, é fundamental que a tradição de acreditar num único momento de coisas boas se mantenha para impedir que tudo se perca para o caos. Afinal, agora muito mais do que em anos anteriores, a esperança de dias melhores é a única saída para que haja paz numa espera ainda sem fim.
É por isso que há um itinerário pregado na porta da nossa geladeira com os horários de cada facetime, filme clássico e oficina de cartões e biscoitos. E, numa manobra do destino que ninguém esperava, acaba que meus pais, agora vizinhos no mesmo prédio, vão passar o Natal juntos pela primeira vez em mais de 20 anos. Só os dois. E eu não vou escolher nenhum.
Catarina Helena Drummond, 35 anos
Ahhh, que lindo 🧡
Lindo!